outubro 30, 2025
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agosto 24, 2025
Araucária: o pinheiro que moldou o Sul
Antes de mais nada, uma apresentação digna: a nossa protagonista atende pelo nome científico Araucaria angustifolia, mas todo mundo chama de pinheiro-do-paraná. Não é pinheiro de Natal europeu; é uma conífera sul-americana que domina o cenário quando aparece, com seu tronco ereto e uma copa que se abre em andares, como se alguém tivesse desenhado círculos concêntricos no céu. Essa imagem, aliás, não é só paisagem — é geografia pura, porque onde a araucária prospera a gente também enxerga altitude, clima subtropical com invernos frios, geadas e, não raro, neve em topos de serra. É a tal da Floresta Ombrófila Mista, o nome técnico para a “mata com araucária”, uma das caras da Mata Atlântica no Planalto Meridional (Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e pontinhas de São Paulo e Minas). A ciência classifica essa formação dentro do bioma Mata Atlântica e explica que ela ocorre justamente onde a combinação de altitude, solo e umidade dá certo — um capítulo inteiro da Embrapa descrevendo distribuição natural, clima e relevo confirma isso com mapa, clima e citação de IBGE (Floresta Ombrófila Mista) e Planalto Meridional como palco preferido.
Mas a araucária é muito mais antiga que os mapas e as nossas fronteiras. Há uma longa conversa entre clima e floresta no Sul do Brasil: estudos palinológicos (aqueles que analisam pólen preservado em sedimentos) mostram que, em períodos mais frios do passado, a araucária se expandiu; em períodos mais quentes, recuou. Esse vai-e-vem geológico ajuda a entender por que ela se dá tão bem em topos e serras frias, onde a geada não é exceção, é regra. Hoje, a ecologia descreve essa floresta com um elenco grande de coadjuvantes de respeito — imbuia, canelas, erva-mate, mirtáceas, podocarpos — mas o papel de protagonista, o que marca a fisionomia da paisagem, é dela. E não é só estética: a araucária derrama pinhas gigantes que, quando se abrem, liberam sementes carnudas e energéticas, os pinhões. Esses “pacotinhos de calorias” sustentam uma cadeia de vida no outono/inverno — de cutias e porcos-do-mato a papagaios e, claro, a famosa gralha-azul (Cyanocorax caeruleus), ave-símbolo do Paraná, que enterra pinhões para comer depois e, sem querer querendo, planta araucárias pelo caminho. Trabalhos acadêmicos e textos de divulgação apontam essa parceria como fundamental: menos araucária significa menos pinhão, que significa menos dispersão — um tombo em cadeia que afeta a floresta inteira.
Agora, vamos de História. Muito antes de ferrovias e serrarias, o pinhão era protagonista na dieta e no calendário cultural dos povos Jê meridionais — em especial os Kaingang — e também dos Guarani e dos Laklãnõ/Xokleng. Relatos etnográficos descrevem como o ciclo do pinhão organizava deslocamentos, festas e trocas, com a coleta marcando o tempo “certo” de estar em tal lugar. O pinhão era base de alimentação, mas também moeda social; a araucária, por sua vez, é figura de cosmologia kaingang, com status de “pessoa” na cosmo-ontologia tradicional. Levar a sério essa antiguidade muda nossa lente: a araucária não é só “recurso”; é eixo de um modo de vida. Textos do Instituto Socioambiental sobre os Kaingang, estudos sobre alimentação tradicional e memórias kaingang do Paraná ajudam a traçar esse quadro: pinhão como item central, trajeto de coleta, troca e partilha, e a árvore como parente — não apenas “madeira em pé”.
Quando chegam os ciclos econômicos coloniais e republicanos, a história dá um giro brusco. Primeiro, com a erva-mate e, logo depois, com a madeira, a araucária entra na lógica do “boom and bust”: serrarias pipocam, ferrovias ganham trilhos e a floresta vira tábuas, dormentes e exportação. O chamado “ciclo da madeira” teve epicentros conhecidos — áreas do Contestado e cidades como Caçador, Irati, Lages e tantos núcleos do planalto — e foi tão intenso que, em poucas décadas, o “mar de pinheiros” virou mosaico de fragmentos. Artigos e livros sobre a exploração madeireira no planalto sulino e no Paraná narram essa virada com dados de produção, mercado externo e a marcha da devastação ao longo do século XX, chegando ao auge nos anos 1970 e, depois, ao esgotamento da matéria-prima nativa por falta de reposição. A ferrovia, que acelerou a economia, foi tanto artéria de desenvolvimento quanto esteira da derrubada.
Esse passado explica por que, hoje, o que resta da Floresta com Araucária é pouco e muito fragmentado. Há números para gravar na memória: a literatura de conservação aponta que os remanescentes dessa formação são minoria frente ao original, espalhados em pedacinhos menores que 50 hectares, cercados por campos cultivados e pastagens, o que dificulta a regeneração natural e a manutenção da biodiversidade. Embora números variem conforme a metodologia e a escala, a mensagem é sempre a mesma: o que sobrou é precioso e frágil. (O próprio verbete técnico sobre Floresta Ombrófila Mista descreve esse quadro de fragmentação e a necessidade de unidades de conservação e de gestão dos fragmentos privados.) A isso se soma uma pressão nova: a mudança do clima. Pesquisas recentes do NAPI Emergência Climática, no Paraná, projetam a perda de até 84% do habitat climático adequado para a araucária até 2090, o que liga o alerta não apenas para a árvore, mas para toda a rede ecológica que depende dela — inclusive a gralha-azul. Universidades paranaenses vêm divulgando esses cenários e pesquisando “refúgios climáticos” onde a espécie ainda possa persistir no futuro.
Dito isso, como é que a araucária virou símbolo do Paraná e do Sul? A resposta mistura geografia, afeto e política pública. Visualmente, a araucária é a marca do planalto paranaense — quem chega à região de Curitiba, Campos Gerais, Centro-Sul e Sudoeste reconhece as silhuetas no horizonte. Culturalmente, ela tempera a mesa: o pinhão é o petisco do outono/inverno, vai ao cozido, vira farinha, entra na paçoca, acompanha chimarrão e fogueira. E simbolicamente, a árvore virou emblema: é reconhecida como símbolo de Curitiba e do Paraná em comunicações oficiais e no senso comum, aparece em brasões, marcas e na toponímia (Araucária é, inclusive, nome de município na Grande Curitiba). Essa “elevação” a símbolo ganhou musculatura jurídica recente: Curitiba editou um decreto específico (597/2023) para incentivar a preservação de araucárias em imóveis urbanos, oferecendo benefícios construtivos quando a presença da árvore limita o aproveitamento do lote — uma maneira prática de transformar o discurso de valorização em regra do jogo urbano. A própria prefeitura, ao explicar o decreto, reforça: 24 de junho é celebrado como o Dia Nacional da Araucária, mais uma peça no calendário de valorização. E na política estadual, propostas de novas regras de compensação ambiental para araucária circulam na Câmara Municipal, sinal de que o tema segue vivo.
Se a araucária é símbolo, o pinhão é festa — e isso literalmente. Lages (SC) celebra anualmente a Festa Nacional do Pinhão, que reúne música, gastronomia e um acento forte no tradicionalismo serrano, movimentando a cidade por semanas e virando vitrine da cultura da serra. Em 2025, por exemplo, a festa correu de 6 a 22 de junho, colada no feriado de Corpus Christi, com dezenas de atrações no Recanto do Pinhão e shows de grande público. Esse tipo de evento costura economia criativa, turismo e educação ambiental. Outras cidades serranas, como São Francisco de Paula (RS), também organizam festas do pinhão, e todas elas acabam reforçando, para visitantes e moradores, a ideia de que “essa árvore é nossa”.
Mas símbolo sem proteção vira só saudade. Então, como o Brasil protege a araucária hoje? Há camadas. No guarda-chuva nacional, a Lei da Mata Atlântica (Lei 11.428/2006), regulamentada pelo Decreto 6.660/2008, impõe regras rígidas para supressão e uso de vegetação nativa desse bioma — e a Floresta com Araucária, como parte da Mata Atlântica, está dentro dessa proteção. Na prática, isso quer dizer que cortar araucária em área de vegetação nativa exige licenciamento ambiental específico, análise de estado de conservação, compensações e, muitas vezes, é proibido. O mapa oficial de aplicação da Lei da Mata Atlântica, do IBGE, inclui a Floresta Ombrófila Mista e serve de referência para onde as regras valem. Além disso, a espécie Araucaria angustifolia está listada como ameaçada na Lista Vermelha global da IUCN (categoria “Criticamente em Perigo”, CR) — um carimbo internacional que reforça a necessidade de proteção — e também integra a lista brasileira de flora ameaçada (Portaria MMA n.º 443/2014 e atualizações subsequentes; em processos de revisão, a araucária permanece entre as espécies com alto risco). Essa sobreposição — bioma protegido por lei específica e espécie ameaçada — cria um cercado jurídico e técnico robusto para evitar que a araucária vire só lembrança.
No nível estadual e municipal, surgem instrumentos complementares. O decreto de Curitiba que citei resolve uma dor de cabeça comum de quem quer construir num lote com uma araucária “bem no meio”: ele permite condições especiais de ocupação para manter a árvore em pé, em vez de transformá-la num estorvo e justificar a supressão. Em paralelo, serviços de licenciamento ambiental orientam poda, corte e transplante — com respostas bem claras do tipo “não pode” quando a árvore não apresenta risco e está protegida por lei. Em âmbito estadual, o Paraná vem publicando normas técnicas (como instruções do IAT) e instituindo câmaras técnicas florestais para qualificar as análises de supressão de vegetação, o que, no mundo real, significa mais olhar técnico e menos improviso quando alguém pede autorização para mexer numa araucária. Essas engrenagens administrativas, por mais burocráticas que pareçam, são o que transformam boas intenções em decisões concretas no dia a dia.
A proteção também acontece no tempo, não só no espaço. Um exemplo simpático — e importante para a sustentabilidade da espécie e da fauna — são as regras sazonais para a coleta e comercialização do pinhão. Estados como Paraná e Santa Catarina apertam a fiscalização para impedir a venda de pinhão “verde”, antes da maturação, porque isso detona duas frentes ao mesmo tempo: os animais que dependem da semente no inverno e a própria regeneração da araucária (pinhão colhido cedo não germina bem, e menos pinhão no chão significa menos “plantio” feito pela fauna). Decretos e portarias estaduais costumam fixar datas de início da comercialização (variáveis a cada ano, conforme as condições), e as prefeituras reforçam a vigilância em feiras e mercados. Parece detalhe, mas é ecologia aplicada no tomateiro do seu Zé: só vender quando está no ponto.
E por que tudo isso importa para a Geografia — e para o seu leitor leigo que quer entender “como a árvore moldou as terras do Sul”? Porque a araucária é um daqueles casos em que natureza e sociedade se trançam de um jeito que dá para ver no mapa. Foi em torno da mata com araucária que surgiram “ilhas” de agricultura e pecuária com inverno mais frio, que ferrovias buscaram madeira e, em troca, plantaram colônias de imigrantes. A urbanização de cidades como Curitiba e sua Região Metropolitana carrega, no nome e na paisagem, essa herança. O fim do ciclo da madeira empurrou a economia para outros setores — reflorestamento de pinus e eucalipto, indústria moveleira, papel e celulose — reconfigurando fluxos e cadeias produtivas, mas deixando para trás uma conta ambiental pesada que hoje a gente tenta pagar com restauração ecológica e com um mix de unidades de conservação, reservas particulares e manejo de fragmentos em propriedades rurais. No meio disso, a nostalgia vira uma alavanca: quando a população reconhece a araucária como “nossa”, ela pressiona por parques, trilhas, viveiros e leis mais inteligentes.
Conservar, no entanto, não é só cercar e proibir. A araucária tem truques e exigências: suas sementes são “recalcitrantes” (odeiam secar), o que complica armazenamento em viveiro e logística de plantio; a dispersão natural depende de bichos que também precisam de habitat; e a regeneração é lenta, exigindo luz controlada e proteção contra gado e fogo. Guias técnicos da Embrapa orientam manejo e plantio (inclusive poda para fins de madeira de qualidade em plantios comerciais), e há uma conversa crescente sobre como unir restauração ecológica com sistemas produtivos de base comunitária — incluindo o uso do pinhão como alimento e fonte de renda, sem detonar a árvore-mãe nem a fauna. Quando uma gralha-azul enterra um pinhão num lugar favorável e esquece onde guardou, ela está trabalhando de graça para a floresta; nosso papel é garantir que ainda haja lugares favoráveis, corredores ecológicos e pinhões maduros para esquecer.
A mudança do clima adiciona uma camada extra de estratégia. Se as projeções de perda de habitat climático se confirmarem, preservar apenas “onde a araucária está hoje” pode não ser suficiente; será preciso identificar refúgios climáticos (altitudes e exposições onde, mesmo mais quente e seco, as condições sigam adequadas) e desenhar restauração e corredores pensando no futuro, não só no passado. Iniciativas como o NAPI Emergência Climática, no Paraná, já falam a língua da adaptação, cruzando modelagem climática, mapeamento e políticas públicas. É ciência batendo na porta do planejamento territorial — e deveria ser música para os ouvidos de quem faz gestão ambiental, licenciamento e zoneamento.
E, por favor, nunca esqueçamos o fio cultural. Para Kaingang, Guarani e Laklãnõ/Xokleng, a araucária não é “só” biodiversidade: é história viva, alimento e parentesco. Incluir comunidades indígenas nos programas de restauração e manejo não é gesto de marketing; é eficiência ecológica e justiça histórica. Quem sabe há séculos “ler” o ritmo do pinhão e o tempo da araucária pode (e deve) conduzir projetos que devolvam continuidade cultural e equilíbrio ecológico ao mesmo tempo. As memórias kaingang no Paraná e estudos etnográficos são claros: quando a floresta volta, volta também uma parte da organização social e dos saberes que dão sentido à paisagem.
Para fechar, vale amarrar as pontas com a pergunta do leitor mais cético: “Tá, mas e daí?” Daí que a araucária é um atalho perfeito para entender o que a Geografia chama de coevolução entre sociedade e natureza. Sem ela, o Sul do Brasil seria outro: outras cidades, outros traçados, outra culinária, outras palavras. Com ela, a gente ganhou uma assinatura paisagística inconfundível — e uma responsabilidade à altura. As leis que citei — a Lei da Mata Atlântica e seu decreto, as listas de espécies ameaçadas, os decretos urbanos que criam incentivos para preservar árvores em lotes, as portarias que impedem o comércio de pinhão antes da hora — são o piso. O teto é a imaginação coletiva: transformar esse símbolo em projeto. Isso envolve restaurar matas ciliares com araucária e suas companheiras, manter corredores entre fragmentos, apoiar festas e roteiros de educação ambiental que falem de pinhão sem virar “picanha de pinhão”, fortalecer viveiros comunitários, introduzir o tema em escolas e, claro, garantir que a gralha-azul siga escondendo sementes por aí. A ciência já deu o recado de urgência; a história dá o contexto; a lei dá as ferramentas. Cabe a nós, moradores e amantes desse pedaço de mundo, fazer a parte que só gente pode fazer: escolher que horizonte queremos ver.
agosto 21, 2025
Trump, Maduro e o Caribe em chamas: a Venezuela está na mira dos EUA?
Comecemos pelo que mudou em 2025: com Donald Trump de volta à Casa Branca, a política dos EUA para a Venezuela deu um cavalo de pau retórico e operacional. Em agosto de 2025, o governo anunciou o envio de destróieres da Marinha — navios de guerra grandalhões, multimissão, que normalmente não são a primeira escolha para perseguir lanchas rápidas de traficantes — para operar no entorno do Caribe e, em especial, próximo à costa venezuelana. Segundo reportagens, três destróieres de mísseis guiados (USS Jason Dunham, USS Sampson e USS Gravely) foram destacados com a missão declarada de “combater cartéis de drogas”, no rastro de uma decisão do governo de classificar cartéis latino-americanos como organizações terroristas estrangeiras. Em linguagem simples: os EUA deram à Marinha um papel mais direto numa tarefa que, historicamente, era capitaneada pela Guarda Costeira, o que sinaliza “musculatura” e recado político a Caracas.
Isso não surgiu num vácuo. Já em 2020, o Departamento de Justiça dos EUA indiciou Nicolás Maduro e outros altos funcionários por conspiração para “narcoterrorismo” e tráfico de cocaína, oferecendo recompensa milionária por informações que levassem à sua prisão. Em agosto de 2025, a recompensa anunciada para Maduro foi dobrada para US$ 50 milhões, gesto que elevou a temperatura do discurso bilateral e reforçou a narrativa de Washington de que o “Cartel de los Soles” — uma expressão usada por promotores americanos para se referir a uma suposta rede de militares e políticos venezuelanos envolvidos em tráfico — seria “protegido” pelo Estado. Caracas diz que isso é ficção de propaganda. Em termos jurídicos, porém, o fato duro é: há um processo federal aberto nos EUA contra o presidente venezuelano e uma recompensa vultosa em vigor.
Naturalmente, a resposta do governo Maduro também veio no megafone. O discurso oficial se agarrou a duas linhas: 1) “isso é imperialismo disfarçado de guerra às drogas” e 2) “vamos defender a pátria e, se preciso, mobilizar milhões” — a referência aqui é à Milícia Nacional, uma força de reserva e apoio entre civil e militar, que o governo frequentemente menciona em números de milhões para sinalizar base popular e capacidade de resistência. Na semana em que o envio dos navios virou manchete, a retórica escalou de lado a lado: Washington falou em “narco-terrorismo”; Caracas falou em “ameaça de intervenção”; observadores externos disseram “calma lá, isso parece mais uma operação de pressão do que um prelúdio de desembarque anfíbio”. Mesmo assim, o simples fato de os EUA colocarem destróieres na área, com o holofote midiático ligado, já reposiciona o xadrez.
Mas por que agora? Há dois fios que se cruzam. O primeiro é interno à Venezuela: depois das eleições presidenciais de 28 de julho de 2024 — polêmicas, contestadas pela oposição, celebradas pelo CNE a favor de Maduro e questionadas por parte da comunidade internacional —, o país passou 2024–2025 num limbo político e econômico: um pouco de alívio com licenças para negócios de petróleo aqui e ali, e muita incerteza com “puxa-encolhe” de sanções. Esse vai e vem incluiu permissões e depois restrições à Chevron trabalhar no país, o que afetou diretamente a quantidade de petróleo venezuelano chegando a refinarias dos EUA. Em agosto de 2025, as importações dos EUA voltaram a ocorrer sob uma licença restrita, depois de um hiato de alguns meses. Em linguagem de bar: os EUA estão apertando politicamente com uma mão e, com a outra, permitindo que algum petróleo flua — porque a realidade no posto pesa.
O segundo fio é regional. A crise com a Guiana por causa do Essequibo — um contencioso centenário que ganhou nitro com a descoberta de petróleo em águas guianenses — botou militares, diplomatas e petroleiras para olhar o mapa com lupa. Em 2023–2024, a tensão subiu, o Reino Unido mandou navio, os EUA fizeram exercícios e sobrevoos com a Guiana, e, já em 2025, Washington manteve o recado de “não mexa com nosso parceiro”, agora com a chancela de um secretário de Estado linha-dura. Isso coloca a bacia do Caribe num tabuleiro de dissuasão: a presença naval americana serve também para dizer que uma aventura transfronteiriça de Caracas teria custo alto.
“Tá, mas esses navios na costa venezuelana significam invasão?” Respiremos. Um desembarque anfíbio à moda antiga — marines chegando em praias, tanques descendo de navios, bandeira fincada — tem uma lista de pré-requisitos logísticos, diplomáticos e legais que simplesmente não estão na mesa hoje. Os destróieres Arleigh Burke são plataformas de alto valor, com mísseis para defesa aérea e ataque de precisão, e radares parrudos; não são botes de abordagem que caçam lanchas de narco. Quando aparecem no Caribe com a missão de “interdição”, a leitura mais conservadora é “pressão + coleta de inteligência + operações limitadas de interdição e abordagens marítimas”, às vezes com helicópteros e equipes de visita e inspeção. Em outras palavras, o recado é: “estamos vendo tudo e, se for preciso, paramos embarcações e prendemos gente”. Isso difere muito de um plano de invasão de território soberano, que demandaria outro tipo de agrupamento naval (navios anfíbios, porta-helicópteros, navios de comando, reabastecedores, escoltas adicionais) e uma coalizão diplomática robusta na região — algo que não se materializou.
Então, por que chamar de “guerra aos narcos”? Porque essa é uma moldura jurídica-política que abre certas portas. Se cartéis são classificados como terroristas, você pode acionar ferramentas legais de contraterrorismo para perseguir redes financeiras, ampliar cooperação de inteligência, travar navios em águas internacionais com base em tratados de interdição e, claro, falar grosso para consumo doméstico. É também uma forma de manter Caracas sob holofote: se “o Estado protege o cartel”, você amplia o leque de sanções e justificativas para cercar economicamente aliados e intermediários. A crítica a esse frame é que “narcoterrorismo” vira guarda-chuva grande demais, com risco de contaminação política de uma agenda antidrogas que precisava ser técnica. O fato é: a peça penal que envolve Maduro e aliados existe desde 2020, está viva e foi politicamente reativada com a elevação da recompensa em 2025.
E a economia? Aqui entra a parte menos cinematográfica e mais “planilha”: a Venezuela precisa de divisas, e petróleo é a torneira principal. O país vinha, segundo estimativas da OPEP, na casa de 0,9 milhão de barris/dia em meados de 2025, números ainda bem menores que a era pré-crise, mas não desprezíveis. A sanção “smart” (direcionada) mistura pausas e permissões, com licenças específicas (como a 41B da OFAC) que abrem e fecham janelas. Em agosto de 2025, cargas voltaram a entrar nos EUA sob licença restrita para a Chevron, depois de um hiato causado por regras de pagamento e conformidade. Em português claro: mais ou menos sanção, mais ou menos petróleo; isso não resolve a crise venezuelana, mas alivia pressões domésticas nos EUA e dá um pouquinho de ar a Caracas — sem, porém, destravar investimentos grandes que exigem previsibilidade.
“Trump ameaça invadir?” O presidente americano usa linguagem contundente — e parte do estilo é manter adversários na dúvida. Porém, invadir um país de 28 milhões de habitantes, com forças armadas leais ao governo e redes de milícias urbanas, implicaria custos humanos, políticos e financeiros enormes, além de um debate jurídico internacional espinhoso. A América Latina, com raríssimas exceções, não apoiaria; aliados europeus pensariam duas vezes; e a opinião pública americana não mostra hoje apetite por uma nova aventura militar aberta no hemisfério. O que faz mais sentido tático, e está de fato ocorrendo, é o emprego de presença naval ostensiva, reforço de interdição marítima e aérea, ações judiciais transnacionais (recompensas, prisões de operadores financeiros, extradições de quadros chave quando estão fora da Venezuela) e diplomacia de pressão. Isso é coerção, não invasão. O risco de “incidente” — uma lancha armada atirar num helicóptero de um destróier, por exemplo — existe em qualquer operação dessa natureza, mas a escalada para algo tipo “Tempestade no Caribe” exigiria gatilhos muito maiores.
“E o que Maduro faz?” Além de inflar números de mobilização e usar o discurso anti-imperialista clássico, o governo ganha tempo apostando em fragmentação da oposição e na rotina: “todo dia é dia útil”. Na prática, aposta em: 1) manter exportações de petróleo dentro do que as licenças permitem; 2) procurar novos parceiros e intermediários para driblar sanções; 3) negociar alívios táticos com Washington quando for conveniente; 4) apresentar-se regionalmente como vítima de bullying imperial e, com isso, arranhar o consenso hemisférico contra si; 5) usar o Essequibo como nacionalismo de reserva — sem cruzar a linha vermelha de conflito aberto com a Guiana, porque aí a conta fica impagável. É um malabarismo, mas é o que Caracas faz há anos.
“Quais são, então, os futuros possíveis da Venezuela?” Em vez de prever o amanhã com bola de cristal, vamos mapear cenários. Pense neles como “rotas” num Waze geopolítico — algumas mais rápidas, outras cheias de buracos, todas com muitos “se”.
Cenário 1 — “Pressão longa, acomodação curta”: a presença naval e a retórica dura continuam por meses, com apreensões episódicas no mar e prisões aqui e ali de operadores ligados ao tráfico. A recompensa de US$ 50 milhões permanece como cartaz de “procurado”. Nada disso derruba o governo, mas aumenta o custo de operar. Em resposta, Caracas negocia pequenos passos com Washington (por exemplo, janelas de licenças para petróleo) e concede algo mínimo no campo político (liberação de alguns presos, ajustes eleitorais municipais). Resultado: o país segue em baixa intensidade de crise, com PIB rastejante, inflação sob “controle precário”, migração continuada e cansaço social. É o “morno que queima”.
Cenário 2 — “Acidente de percurso”: um encontro no mar dá errado; tiros são disparados; alguém morre. A Casa Branca sente-se pressionada a “responder”; Caracas acusa “agressão”. Ainda assim, a escalada tende a ser controlada: retaliações pontuais (por exemplo, sanções financeiras mais duras, designações adicionais, sobrevoos pesados), movimentação de mais meios navais para mostrar dentes — e telefonemas frenéticos de Brasília, Bogotá e Cidade do México para esfriar ânimos. Ninguém ganha com guerra aberta; todo mundo perde. Logo, o mais provável seria um pico de tensão seguido de “volta às linhas”.
Cenário 3 — “Surpresa do petróleo”: por necessidade econômica interna nos EUA (preço na bomba) e por pressão de refinarias, Washington amplia ou flexibiliza licenças para importação de alguns blends venezuelanos via Chevron e parceiros, mantendo o discurso duro em paralelo. É a versão geopolítica de “uma mão bate, a outra afaga”. A produção venezuelana sobe um pouco, mas não explode: faltam investimento, tecnologia e confiança jurídica. Ainda assim, entra dólar, o câmbio respira e o cotidiano melhora de leve em Caracas e Maracaibo. Politicamente, Maduro ganha fôlego; a oposição luta para manter unidade.
Cenário 4 — “Guiana como faísca, não como incêndio”: a crise do Essequibo continua sendo usada na retórica, mas não vira guerra. Por quê? Porque a Guiana tem apadrinhamento diplomático e militar crescente (EUA e Reino Unido, entre outros), e porque o custo de “ir pra cima” seria devastador para Caracas. O governo venezuelano colhe o bônus interno do nacionalismo sem pagar o ônus externo da sanção total. A fronteira segue “quente na boca, fria no terreno”.
Cenário 5 — “Solução negociada por fora do palco”: pressões judiciais (indiciamentos, extradições de figuras-chave, prisões em terceiros países) e a vigilância naval minam redes de logística e financiamento. Ao mesmo tempo, garantias discretas são conversadas (segurança pessoal, saída negociada, eleições com auditoria internacional de verdade). Não é impossível — a América Latina tem memória de transições “feitas no carpete”. Mas exige sincronização fina entre Washington, Brasília, Bogotá, a União Europeia e atores internos venezuelanos. É difícil, porém não ficção científica.
Cenário 6 — “Tempestade perfeita (pouco provável, mas…)”: choque no mercado de petróleo, crise migratória ainda maior saindo da Venezuela, um incidente feio no mar e, de repente, a Casa Branca decide “dar exemplo” com uma operação cinética limitada (por exemplo, contra pistas aéreas ou depósitos associados a redes de tráfico). Mesmo assim, salto de “ataques limitados” para “invasão” teria que superar barreiras gigantes: legalidade internacional, votos no Congresso, apoio regional, opinião pública. Hoje, isso tudo está na coluna do “não”.
“E a oposição?” O campo opositor vive tentando resolver o dilema da unidade, com lideranças no exílio apoiando medidas duras dos EUA e lideranças internas pedindo cautela para não transformar a política numa guerra por procuração. Depois de 2024, o debate sobre a lisura eleitoral segue aberto — com organizações internacionais e think tanks apontando inconsistências —, o que complica a construção de uma “rota institucional” limpa. Enquanto isso, o tempo trabalha a favor de quem está no poder: o Estado distribui custos e benefícios em pequenos pacotes (salários, bônus, remessas, subsídios pontuais), o que mantém redes de lealdade.
“Quem mais está no tabuleiro?” Além dos EUA, obviamente. A Rússia continua sendo parceira militar e política de Caracas, embora com foco drenado pela guerra na Ucrânia. A China joga o jogo mais econômico e prudente: interessa-se por petróleo e por contratos, mas não por confusão. O Irã oferece cooperação técnica e simbólica. Cuba segue na retaguarda política e de inteligência. Do outro lado, Colômbia e Brasil tentam o papel de “bombeiros adultos”, preferindo diálogo e processo eleitoral verificável a “soluções de força”. E a Guiana, com petróleo novo e guarda-costas poderosos, entrou de vez no mapa mental de Caracas. Esse conjunto reduz a probabilidade de guerra aberta, mas aumenta a de “pressão + incidentes + negociação sem glamour”.
“Tá, e como isso bate no dia a dia do venezuelano?” Em três letras: $ (dólar), filas e fronteira. Dólar, porque o câmbio e a inflação são hiper-sensíveis a qualquer notícia de sanção ou licença. Filas, porque combustíveis e serviços ainda sofrem com gargalos crônicos. Fronteira, porque muita gente continua saindo — para Colômbia, Brasil e além —, e cada empurrão geopolítico vira empurrão migratório. Se as licenças de petróleo respirarem, a vida melhora um pouco; se fecharem, piora. Enquanto isso, remessas de quem foi embora seguem sendo a “política social” mais eficiente do país.
“E os navios, vão ficar por quanto tempo?” Presença naval é ferramenta estratégica e midiática. Ela fica o suficiente para: 1) coletar inteligência; 2) interditar algumas cargas; 3) sinalizar a parceiros e adversários que os EUA “estão no jogo”. Às vezes, essa presença é rotativa, com navios sendo substituídos e exercícios combinados com países da região. Não confunda isso com preparação para D-Day: são linguagens diferentes. O fato de a Marinha dos EUA, em 2025, estar até testando capacidades antidrone em destróieres mostra como o ambiente marítimo está mudando — inclusive no Caribe —, mas não muda o essencial: sinalização e pressão, não invasão.
“Resumo honesto, sem suspense: os EUA vão invadir a Venezuela?” A resposta mais responsável hoje é: extremamente improvável. O que está no script é uma campanha de coerção — judicial, naval, diplomática e econômica — para isolar redes de tráfico vinculadas (segundo Washington) ao alto escalão venezuelano, manter Caracas sob pressão e, quem sabe, arrancar concessões políticas. Os destróieres cumprem papel de holofote e porrete simbólico; a recompensa de US$ 50 milhões é o cartaz na parede do saloon; as licenças de petróleo são a cenoura. No fim, o país vizinho que mais importa para o desfecho não é os EUA: é a própria Venezuela. Se houver recomposição institucional real, verificação eleitoral crível e alívio econômico gradual, a espiral de crise perde força. Se tudo ficar no “mais do mesmo”, o Caribe seguirá cheio de navios e o povo, de dúvidas.
Para fechar com algo prático para você guardar: quando ler manchetes sobre “navios americanos na costa”, pense em três perguntas. 1) Qual é a missão declarada? (Interdição de drogas ≠ invasão.) 2) Há mudanças legais que ampliem a caixa de ferramentas? (Designar cartéis como terroristas e aumentar recompensas muda o jogo jurídico.) 3) Existem sinais logísticos de escalada? (Chegada de navios anfíbios, criação de base temporária, mobilização de marines, alianças regionais claras.) Se a resposta à #3 for “não”, a probabilidade é de teatro de pressão, não de guerra aberta. Enquanto isso, acompanhe o sobe-desce de licenças de petróleo e a novela do Essequibo: são os dois termômetros mais úteis para entender se a brasa está acendendo ou apagando.
agosto 18, 2025
O mapa da guerra: o que existe em Luhansk, Donetsk, Zaporizhzhia, Kherson e Crimeia
Bem-vindos a mais um mergulho no Geografia do Mundo! Hoje vamos falar de cinco nomes que aparecem constantemente nos jornais e que, muitas vezes, parecem apenas palavras complicadas de se pronunciar: Luhansk, Donetsk, Zaporizhzhia, Kherson e Crimeia. Essas cinco regiões da Ucrânia são hoje o coração de uma disputa que está sacudindo a geopolítica mundial. Putin, o presidente da Rússia, insiste que elas devem ser parte do território russo, enquanto a Ucrânia e grande parte do mundo rejeitam essa ideia. Mas afinal de contas, o que existe nessas áreas? Por que elas são tão importantes para Moscou? E por que Kiev não aceita perdê-las de jeito nenhum?
Prepare-se para uma viagem longa, divertida e esclarecedora, em que vamos explorar a história, a geografia, a cultura e a economia desses territórios. Vamos entender, em linguagem simples, o que está em jogo em cada pedaço de terra. E já aviso: tem de tudo um pouco — desde minas de carvão até praias turísticas, de tradições cossacas a usinas nucleares.
Contexto geral: Por que a Rússia quer essas regiões?
Antes de olhar uma por uma, precisamos entender o pano de fundo. A Rússia de Putin tem uma visão chamada de “Mundo Russo” (Russkiy Mir), segundo a qual povos que falam russo ou que já estiveram sob domínio de Moscou deveriam voltar a estar unidos. Para Putin, a Ucrânia seria um erro histórico: um país que, no fundo, seria apenas um pedaço da Rússia que “fugiu” do controle soviético em 1991.
Essas cinco regiões que estamos analisando têm algumas características em comum:
História de ligação com o Império Russo e a União Soviética — foram colonizadas, russificadas ou industrializadas durante os séculos XIX e XX.
População russófona — muitas pessoas falam russo como primeira língua e, em alguns casos, se sentem mais próximas culturalmente de Moscou do que de Kiev.
Recursos naturais estratégicos — carvão, ferro, aço, agricultura, energia nuclear, rotas marítimas.
Posição geográfica-chave — seja como acesso ao Mar Negro, seja como “corredor” entre Rússia e Crimeia.
Agora sim, vamos embarcar em nossa viagem!
Luhansk: o coração industrial do leste
Onde fica?
Luhansk está no extremo leste da Ucrânia, bem na fronteira com a Rússia. É parte da região conhecida como Donbas (Donetsk + Luhansk), famosa por sua mineração de carvão e indústria pesada.
O que existe lá de importante?
Carvão e indústrias: Luhansk é uma das regiões mais ricas em carvão da Ucrânia, com enormes minas que abasteceram a indústria soviética por décadas.
Indústria de máquinas: a cidade de Luhansk, capital regional, tem fábricas que produziam locomotivas, peças para aviação e veículos militares.
Cultura russófona: boa parte da população tem russo como língua principal e tradições culturais próximas das da Rússia.
Por que Putin quer?
Controlar Luhansk significa controlar uma área com indústria pesada, recursos minerais e, de quebra, uma população que em grande parte não rejeita a presença russa. Para Moscou, é um território que reforça a ideia de que o “Donbas é russo”.
Curiosidade geográfica
O nome “Luhansk” vem do rio Luhan, que corta a cidade principal. A região tem planícies largas, típicas das estepes ucranianas, e serviu de palco para batalhas importantes na Segunda Guerra Mundial.
Donetsk: a joia do Donbas
Onde fica?
Donetsk fica logo ao lado de Luhansk, formando o par “irmão” que dá nome ao Donbas.
O que existe lá de importante?
Minas de carvão: Donetsk é a maior região mineradora da Ucrânia, conhecida por suas cidades construídas ao redor de minas.
Indústria metalúrgica: aço, ferro, usinas siderúrgicas — Donetsk é comparada a um “Vale do Ruhr” (Alemanha) do leste europeu.
Esporte e cultura: a cidade de Donetsk era sede do Shakhtar Donetsk, um dos maiores clubes de futebol do leste europeu, antes da guerra.
População urbana: a região foi fortemente urbanizada durante a era soviética, com grandes blocos habitacionais.
Por que Putin quer?
Donetsk é essencial para a ideia de “recuperar o Donbas”. É uma região que tem tanto valor econômico (minério, aço) quanto simbólico — foi um dos centros mais leais a Moscou dentro da Ucrânia antes da guerra.
Curiosidade geográfica
Donetsk foi originalmente fundada por um empresário galês no século XIX, chamado John Hughes. Tanto que a cidade chegou a ser chamada de Yuzovka (derivado de Hughes). Olha só: até mesmo um galês ajudou a construir a história dessa região disputada!
Zaporizhzhia: o poder da energia nuclear
Onde fica?
Zaporizhzhia está mais ao sul, ao longo do rio Dnipro (ou Dnieper), um dos maiores rios da Europa.
O que existe lá de importante?
Usina nuclear de Zaporizhzhia: a maior da Europa, com seis reatores. Ela fornece energia para milhões de pessoas e é considerada estratégica em qualquer negociação.
Indústria de máquinas: a cidade de Zaporizhzhia abriga fábricas históricas de motores de avião e automóveis (como a ZAZ, famosa por produzir o carro soviético Zaporozhets).
Cultura cossaca: a região foi lar dos cossacos zaporogos, guerreiros lendários que tinham uma república quase independente no século XVI. Essa herança é parte fundamental da identidade ucraniana.
Agricultura: com terras férteis, Zaporizhzhia é produtora de trigo, girassol e outros grãos.
Por que Putin quer?
Além do valor econômico, controlar Zaporizhzhia significa controlar uma usina nuclear que pode abastecer ou ameaçar milhões de pessoas. É também uma região de passagem entre o leste (Donbas) e o sul (Crimeia).
Curiosidade geográfica
O nome Zaporizhzhia significa “além das corredeiras” em ucraniano, referência às quedas d’água que existiam no rio Dnipro antes de serem submersas por represas soviéticas.
Kherson: a chave do acesso à Crimeia
Onde fica?
Kherson está no sul da Ucrânia, às margens do Mar Negro e próximo à península da Crimeia.
O que existe lá de importante?
Acesso ao Mar Negro: controlar Kherson significa controlar rotas marítimas fundamentais para exportações.
Agricultura: a região é um dos celeiros da Ucrânia, produzindo trigo, frutas e vegetais em larga escala.
Infraestrutura hídrica: canais de irrigação de Kherson levavam água doce para a Crimeia, algo vital para a península.
Estaleiros e portos: Kherson tem tradição naval, com construção de navios e exportação de grãos.
Por que Putin quer?
Kherson é estratégico porque garante o corredor terrestre até a Crimeia e também porque controla a água que abastece a península. Para Moscou, é uma região-chave para consolidar a anexação da Crimeia.
Curiosidade geográfica
A cidade de Kherson foi fundada por ordem de Catarina, a Grande, no século XVIII, como parte da expansão russa para o Mar Negro.
Crimeia: a pérola do Mar Negro
Onde fica?
A Crimeia é uma península no sul da Ucrânia, cercada pelo Mar Negro e pelo Mar de Azov.
O que existe lá de importante?
Base naval de Sebastopol: sede da Frota do Mar Negro russa, essencial para a presença militar de Moscou na região.
Turismo: praias, vinícolas e montanhas tornam a Crimeia um destino turístico desde a era czarista.
História multiétnica: a Crimeia já foi lar de gregos, tártaros, otomanos e russos, um verdadeiro caldeirão cultural.
Agricultura e vinhos: além do turismo, a península produz uvas e vinhos de qualidade.
Por que Putin quer?
Putin anexou a Crimeia em 2014, alegando proteger a população russa local e garantir a presença militar no Mar Negro. Para Moscou, a Crimeia é intocável — é considerada parte da Rússia “para sempre”.
Curiosidade geográfica
A Crimeia tem uma das paisagens mais bonitas da região: praias ensolaradas no sul, estepes áridas no norte e montanhas que lembram o litoral mediterrâneo.
O que está em jogo?
Se juntarmos tudo, essas cinco regiões representam:
Cerca de 20% do território ucraniano.
Um terço da indústria e mineração da Ucrânia.
Corredores logísticos fundamentais para exportações.
Bases militares e usinas nucleares.
Uma população de milhões de pessoas, muitas das quais têm identidades divididas entre Rússia e Ucrânia.
Ou seja, não é pouca coisa. Para Putin, garantir esses territórios é consolidar a ideia de que a Rússia ainda pode expandir seu poder. Para a Ucrânia, perder essas áreas seria como perder parte da alma e da independência.
Terras de memória e disputa
Luhansk, Donetsk, Zaporizhzhia, Kherson e Crimeia não são apenas nomes difíceis de pronunciar: são territórios que concentram história, economia, cultura e geopolítica. Cada um deles tem um papel estratégico, e é justamente por isso que estão no centro da guerra.
Enquanto Putin insiste que sem essas regiões não há acordo, Kiev repete que sem recuperá-las não há paz. O mundo observa, tentando entender até onde vai essa disputa que mistura carvão, trigo, usinas nucleares, praias do Mar Negro e memórias de impérios passados.
E aqui, no Geografia do Mundo, fico com a certeza: compreender a geografia é fundamental para compreender a política. Afinal, a guerra, no fundo, sempre passa pelo mapa.


























