dezembro 15, 2024

A divisão italiana: comunistas, fascistas e o eterno norte-sul

 


Se você olha para a Itália hoje e pensa apenas em massas, vinhos e turismo romântico, prepare-se para um passeio por um lado bem mais político e intenso da terra da bota. A história da Itália moderna é um drama de rivalidades que começa com a resistência contra o fascismo durante a Segunda Guerra Mundial e atravessa as décadas em um embate eterno entre um norte industrializado e rico e um sul agrário e pobre. E essa divisão não é apenas econômica: é também política, cultural e social. Prepare-se para entender como tudo isso reflete nas eleições italianas e na influência do país na União Europeia.

A Resistência e o Fascismo: Um Começo Sangrento

Imagine o cenário: é 1943, a Segunda Guerra Mundial está no auge e a Itália, liderada pelo ditador Benito Mussolini, já não está dando conta do recado. O fascismo italiano, que havia começado com toda pompa nos anos 1920, já estava em declínio. Mussolini, o homem que prometeu reviver a grandeza do Império Romano, foi capturado em 1945 pelos partisans – grupos de resistência formados em sua maioria por comunistas e socialistas.

A cena final de Mussolini é digna de filme de terror. Ele foi executado junto com sua amante, Clara Petacci, e seus corpos foram pendurados de cabeça para baixo em uma praça de Milão, a Piazzale Loreto, para que a população pudesse zombar e vandalizar os restos mortais do ditador. Essa cena é um símbolo do ódio contra o regime fascista, especialmente nas regiões do norte da Itália, onde a resistência era mais forte.

Por outro lado, no sul do país, a resistência antifascista foi muito menos expressiva. Isso porque o sul, historicamente mais pobre e dominado por grandes proprietários de terras, tinha menos organização social e era mais suscetível à influência do regime fascista, que prometia ordem e estabilidade.

Norte Comunista, Sul Conservador: A Geografia Política da Itália

Depois da guerra, a divisão entre norte e sul da Itália se aprofundou, não apenas economicamente, mas também politicamente. O norte – com cidades como Milão, Turim e Bolonha – tornou-se um bastião da esquerda. Isso foi impulsionado pelo forte movimento sindical e pela presença do Partido Comunista Italiano (PCI), que chegou a ser um dos maiores partidos comunistas fora do bloco soviético.

O sul, por sua vez, continuou sendo um reduto de políticas mais conservadoras. Aí entra a influência da Igreja Católica, que sempre teve um papel forte na vida dos italianos do sul, promovendo valores tradicionais e apoiando partidos de direita, como a Democracia Cristã (DC), que dominou a política italiana do pós-guerra até os anos 1990.

Essa divisão também se reflete em questões culturais e sociais. Enquanto o norte se modernizou rapidamente, com uma economia baseada na indústria e no comércio, o sul permaneceu mais agrário e dependente de subsídios governamentais. Essa disparidade econômica alimentou ressentimentos de ambos os lados, criando uma rivalidade que persiste até hoje.

Eleições: Um Espelho da Divisão

As eleições na Itália são um verdadeiro reflexo dessa divisão entre norte e sul. No norte, partidos de esquerda e centro-esquerda costumam ter mais apoio. Regiões como Emilia-Romagna, Toscana e Ligúria são conhecidas como "cinturão vermelho" por seu histórico de votos em partidos progressistas.

No sul, por outro lado, os partidos de direita, como a Liga (antiga Liga Norte) e o partido Irmãos da Itália, têm ganhado espaço. Curiosamente, a Liga começou como um partido separatista do norte, mas recentemente expandiu sua base eleitoral para o sul, ajustando seu discurso para apelar às preocupações locais, como desemprego e migração.

A Influência na União Europeia

Agora, imagine essa divisão interna influenciando um dos maiores blocos econômicos do mundo: a União Europeia. A Itália é um dos membros fundadores da UE e tem um peso significativo em questões políticas e econômicas do bloco. No entanto, a divisão norte-sul afeta a postura da Itália dentro da União.

Regiões do norte, mais ricas e industrializadas, tendem a apoiar uma maior integração europeia e políticas econômicas austeras. Já o sul, que depende mais de subsídios, muitas vezes resiste às imposições de austeridade da UE e é mais favorável a políticas de redistribuição de recursos dentro do bloco.

A Itália Hoje: Uma Não-Tão-Doce Divisão

De Milão a Palermo, a Itália continua sendo um país de contrastes. O norte é moderno, progressista e economicamente dinâmico. O sul é tradicional, mais conservador e enfrenta desafios econômicos crônicos. Essa divisão molda não apenas a política italiana, mas também sua influência no cenário europeu.

Entender essa história é fundamental para compreender por que a Itália é como é. Seja nos campos dourados da Toscana ou nas vielas de Nápoles, cada parte do país carrega um pedaço dessa complexa narrativa. E, enquanto o norte e o sul continuarem disputando espaço e poder, a Itália permanecerá sendo esse país tão fascinante e contraditório.

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